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LABINAC - O que sempre fizemos

25.11.23 > 24.02.24
Casa Zalszupin 25/11

O que sempre fizemos 

 

We always did. 

Travel. 

Stayed. 

A while. 

Set up a house. 

  

                                           Built. 

 

                                                                                         a chair 

                                                                                         a table 

                                                                                         a lamp 

                                                                                         a vase 

  

                                                                                         Left… 

 

Stay. 

 

LABINAC 

“Isso é arte?” 

 

Recorrente no âmbito da arte contemporânea, a pergunta é frequentemente recebida pelos profissionais da área com um ar resignado de superioridade. Como se uma pergunta tão básica fosse, na verdade, apenas um atestado da incapacidade de entender algo que deveria ser óbvio e evidente. Eu, pessoalmente, sempre achei uma pergunta instigante. Será que é arte mesmo? Será que faz a menor diferença algo ser arte ou não ser? E o que é arte, afinal? Para grupos sociais e culturas distintas, no tempo e no espaço, arte quis e quer dizer coisas diferentes, da mesma forma como, a rigor, quase tudo que vemos no mundo pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Ainda bem. 

 

A LABINAC foi fundada pelos artistas Maria Thereza Alves e Jimmie Durham. Sua ética de trabalho, sua ação incansável em defesa dos direitos e da cultura dos povos originários, seu questionamento constante de binômios tensos, incontornáveis para uma real compreensão do mundo em que vivemos (natural-artificial; autóctone-exótico; puro-contaminado, entre outros): tudo isso faz deles artistas e pensadores essenciais da segunda metade do século 20 e deste começo de 21. A LABINAC não foi concebida pelos seus fundadores como um projeto artístico, mas como “um coletivo de design iniciado com o duplo objetivo de desenhar e fazer coisas e apoiar o trabalho artesanal dos povos indígenas da América Latina”. 

 

O poema reproduzido acima coloca implicitamente a gênese do projeto num entendimento da vida como uma coreografia de movimentos e pausas. E o que mais imediatamente caracteriza essas pausas, que para pessoas e povos sob constante ameaça se tornam frequentemente temporárias, é a construção de uma casa e, principalmente, do que nos faz sentir em casa: ‘uma cadeira, uma mesa, uma lâmpada, um vaso’. Os objetos que nos acompanham ao comer, escrever, pensar, sonhar talvez outra vida e outro mundo. As coisas que we always did [sempre fizemos]. O poema, mesmo não assinado, parece esculpido na pedra ou na madeira no estilo inconfundível da escrita poética de Jimmie Durham (que, além de artista, foi um poeta extraordinário), e projeta os objetos da LABINAC num âmbito que transcende os limites do que costumamos chamar de design, porque é carregado de uma dimensão autenticamente filosófica, universal e atemporal.  



LABINAC – O que sempre fizemos é uma exposição que acontece em dois espaços muito diferentes, onde esses objetos tão especiais são colocados em relação e fricção com contextos que permitem leituras diferentes deles. Na Casa Zalszupin, o diálogo é principalmente com objetos produzidos pelo próprio arquiteto e designer, e com um ambiente doméstico, familiar apesar de, evidentemente, extraordinário. Já na Galeria Jaqueline Martins, no espaço relativamente asséptico de uma galeria de arte, a conversa principal é com obras em que aparecem, muitas vezes no fundo da cena, ‘uma cadeira, uma mesa, uma lâmpada, um vaso’, isto é, objetos para os quais geralmente não olhamos, ou que consideramos apenas “mobiliário”.  

 

Em 1917, Erik Satie introduziu uma expressão até então quase inconcebível: musique d’ameublement [música mobiliário, ou furniture music na tradução inglesa, que se tornaria mais conhecida internacionalmente]. Essas composições eram concebidas para serem tocadas ao vivo em contextos diversos e não convencionais, onde Satie esperava que o público não prestasse atenção, e que a música pudesse ser ouvida como um fundo, como algo que apenas existe, como um móvel. De certo ponto de vista, o experimento foi um fracasso, as pessoas paravam para prestar atenção. Talvez haja algum tipo de lição aí, que passa pela importância de reparar nas coisas que por muito tempo não víamos, deixar de usar expressões que por muito tempo usamos, entender que o que está ao nosso redor, mesmo quando invisível, nunca é neutro, sempre carrega mensagens e significados potentes. 

 

Esse texto iniciava com a pergunta estereotipada do visitante perplexo na frente de uma obra de arte contemporânea: “Isso é arte?”. Faz sentido que termine invertendo a pergunta: “Isso é mobiliário?” 

 

 JACOPO CRIVELLI VISCONTI